Pouca gente sabe, mas a Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro – e também um dos mais ameaçados. Seu nome vem do tupi-guarani e significa floresta branca, porque durante os períodos de seca, as plantas reduzem a perda de água soltando suas folhas e ganham uma cor esbranquiçada.
Dentro do que chamamos de Caatinga existem vários tipos caatinga, paisagens diferentes que se espalham pelos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Bahia, Alagoas e Sergipe, além de pequenas porções do Maranhão e de Minas Gerais.
Mas para além de uma biodiversidade vegetal e animal muito rica, com espécies como a Ararinha-azul, ameaçada de extinção, a Caatinga também é dona de uma grande diversidade cultural.
Hoje em dia, cerca de 60 povos indígenas vivem na Caatinga, mais da metade deles na bacia do Rio São Francisco – um de seus rios mais importantes. Entre eles estão os Atikum, Fulni-ô, Jenipapo-Kanindé, Jiripancó, Pankararé, Pitaguary, Tingui Botó, Truká, Tumbalalá, Xakriabá e Xukuru, entre muitos outros, profundos conhecedores da Caatinga e responsáveis por sua conservação.
Os Kariri-Xocó são um desses povos que vivem em Porto Real do Colégio (AL), no vale do São Francisco. No livro Fulkaxó, ser e viver Kariri-Xocó, editado pelo Sesc, o pensador e escritor Nhenety Kariri-Xocó apresenta um panorama sobre o modo de vida e a história desse povo, seu território e seus conhecimentos. Descubra, no trecho abaixo, um pouco sobre a diversidade de espécies nativas da Caatinga que são manejadas pelos Kariri-Xocó.
Tempo das frutas
"Nossa flora tem muitas espécies de vegetais, mas aqui vamos relacionar as que dão frutas, aquelas que utilizamos para nossa alimentação no dia a dia. Começamos em janeiro com o caju, fruta amarela e vermelha, muito doce, é rancenta; tem também a fruta do ouricuri. Em fevereiro tem a maturação da ubaia, fruta amarela e azedinha; temos também a gavadinha, arbusto que bota pequeninos frutos escuros, doces, que nós comemos, mas os pássaros também apreciam muito.
De março a abril temos o cajá, árvore frondosa, com frutas amarelas; o chão fica forrado, as crianças enchem as vasilhas, produzem muito muito lá na mata do ouricuri. Em abril temos o juá, de frutos doces e liguentos; a árvore é espinhosa, muito utilizada na limpeza dos dentes. De maio a junho temos o jenipapo e o goiti, a primeira dá sucos deliciosos, além de servir para a pintura corporal. O goiti é doce que faz gosto, mas tem um travo. Essas plantas aparecem nas margens do rio, algumas pessoas comem, mas muitas não apreciam seu gosto. O mamão tem água no pé, bota em toda época, são frutas grandes e leitoras quando verdes, usadas como sobremesa pelas famílias, alimento das crianças, assim como as bananas em maio.
De setembro a outubro tem a canafístula, que é usada na alimentação, além de combater a gripe em xarope. Em novembro, é a vez do maracujá do mato, e, em dezembro, da gobiroba. Aqui não citamos manga, jaca, limão, tamarindo, uva, acerola, carambola, pinha, coco, fruta-pão, laranja, jamelão, porque são frutas de fora. Temos delas aqui na área indígena, mas não são espécies nativas da região".
Nhenety Kariri-Xocó
Outros textos sobre a vida e a cultura desse povo você encontra no blogue do escritor Nhenety Kariri-Xocó. Acesse aqui!