Todas as sociedades possuem um conjunto de ideias e reflexões próprias sobre a origem do mundo, sobre como foram criados os seres e elementos: os humanos, os animais, as plantas, os rios, as paisagens, os astros, o céu, a terra etc.

Muitas vezes essas idéias e reflexões sobre as origens são narradas na forma de histórias, que chamamos de mitos!

O que são mitos?

Os mitos são histórias sobre um passado bem distante que, ao mesmo tempo, dão sentido à vida no presente, pois explicam como o mundo, os seres e as coisas vieram a ser como são.

Índio Apiaká segurando uma criança. Foto: Eugênio G. Wenzel.
Índio Apiaká segurando uma criança. Foto: Eugênio G. Wenzel.

São contados e recontados pelos mais velhos aos mais novos. É assim que importantes conhecimentos são transmitidos oralmente de uma geração para outra.

Os mitos se relacionam com a vida social, os rituais, a história e o modo de viver e pensar de cada sociedade e, por isso, expressam maneiras diferentes de ver a vida, a morte, o mundo, os seres, o tempo, o espaço...

São parte da tradição de um povo, mas essa tradição sempre se transforma!

Como isso acontece?

Toda vez que um mito é contado, ele pode ser recriado por quem o conta. As experiências vividas e os acontecimentos considerados importantes no momento da narração podem influenciar o narrador, alterando a história. Por essa razão, os mitos estão sempre se modificando!

E é por isso que existem várias versões de um mesmo mito, isto é, há diferentes formas de contar uma mesma história.

Mitos gregos

Geralmente quando pensamos em mitos, lembramos das histórias de heróis e deuses gregos, como Hércules, Aquiles, Agamenon, Zeus, Afrodite, Apolo, Ártemis, Hermes...

Estátua de Afrodite. Museu Nacional de Arqueologia de Atenas, Grécia. Foto: Tilemahos Efthimiadis, 2009. Publicada sob uma licença Creative Commons (Atribuição 2.0 Genérica: Você deve dar crédito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante).
Estátua de Afrodite. Museu Nacional de Arqueologia de Atenas, Grécia. Foto: Tilemahos Efthimiadis, 2009. Publicada sob uma licença Creative Commons (Atribuição 2.0 Genérica: Você deve dar crédito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante).
Estátua de bronze de Poseidon ou Zeus. Foto: Josep M Martí, 2008. Publicada sob uma licença Creative Commons (Atribuição: Uso Não-Comercial, Compartilhamento pela mesma Licença 2.0 Genérica).
Estátua de bronze de Poseidon ou Zeus. Foto: Josep M Martí, 2008. Publicada sob uma licença Creative Commons (Atribuição: Uso Não-Comercial, Compartilhamento pela mesma Licença 2.0 Genérica).
 

Não é à toa que isso acontece, já que foi na Grécia Antiga que surgiu a palavra mito. Em grego, mito se escreve assim: mythos.

Parthenon, antigo templo grego, Atenas (Grécia). Foto: Adamos Maximus, 2006. Publicada sob uma licença Creative Commons (Atribuição: Uso Não-Comercial, Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.0 Genérica).
Parthenon, antigo templo grego, Atenas (Grécia). Foto: Adamos Maximus, 2006. Publicada sob uma licença Creative Commons (Atribuição: Uso Não-Comercial, Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.0 Genérica).

Esses mitos eram contados pelos antigos gregos e falam sobre as origens do mundo e as aventuras dos deuses, deusas, heróis, heroínas e outras criaturas, como o minotauro, o centauro, as ninfas...

Parte dessas histórias foi registrada por importantes poetas gregos, como Homero e Hesíodo, e esses antigos escritos são a fonte do que se sabe hoje sobre a mitologia grega.

E o que é mitologia?

A mitologia é o estudo dos mitos e de seus significados. Essa palavra também é usada para se referir ao conjunto de mitos de uma sociedade, uma religião ou de um tema particular.

Mitos indígenas

Os povos indígenas, assim como outras sociedades, também transmitem seus conhecimentos e experiências por meio de mitos. Por serem populações que, até pouco tempo, não registravam seus saberes na forma de textos escritos, o principal jeito de transmitir conhecimentos era — e ainda é — por meio da fala.

É importante dizer que, além dos mitos, existem outras formas de expressão oral, como os cantos, diálogos cerimoniais e outros tipos de discurso...

Por que, muitas vezes, é difícil compreender os mitos?

Aprendemos que os mitos trazem as reflexões de um povo sobre vários temas. Porém, quando não conhecemos bem esse povo, seus valores e sua cultura, muitos detalhes presentes nas histórias são mal compreendidos. Para decifrar os mitos, é preciso estudar, conhecer as formas de viver e pensar do povo que os criou. Só assim podemos conhecer a fundo a riqueza de suas significações.

É assim também com os mitos indígenas?

Sim, pois geralmente se sabe muito pouco ou quase nada sobre os diferentes povos indígenas e assim fica muito difícil de compreender suas histórias. Cada vez mais percebemos que há muito o que aprender sobre eles!

Todos os povos indígenas têm os mesmos mitos?

Não, muito pelo contrário! Assim como existem muitos grupos indígenas, há também muitas diferenças entre os seus mitos.

Você já aprendeu que um mito pode ter muitas versões. No Brasil, há mais de 240 povos indígenas, imagine só quantos mitos diferentes existem! Se pensarmos, então, que dentro de uma mesma aldeia existem variações...

Os mitos são criações originais e por isso são muito variados!

Apesar das diferenças, existe algo em comum entre os mitos?

Existem temas comuns aos mitos dos ameríndios (povos indígenas que vivem em todo continente americano), pois durante milhares de anos, conviveram, realizaram trocas, compartilharam experiências e ideias e assim se criou um conjunto de características comuns.

Conheça alguns temas comuns aos mitos ameríndios

Histórias sobre o Sol e a Lua

Como contam os Inuit?

Mulher e criança Inuit, 1912 (Library of Congress). Foto: Bob Bobster, 2009. Publicada sob uma licença Creative Commons (Atribuição 2.0 Genérica: Você deve dar crédito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante).
Mulher e criança Inuit, 1912 (Library of Congress). Foto: Bob Bobster, 2009. Publicada sob uma licença Creative Commons (Atribuição 2.0 Genérica: Você deve dar crédito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante).

Os Inuit, que vivem na região do Estreito de Bering (norte do continente americano), também conhecidos como Esquimó, contam que, antigamente, numa aldeia da costa viviam um homem e sua mulher. Tinham dois filhos, uma menina e um menino. Quando as crianças cresceram, o rapaz se apaixonou pela irmã. Como ele não parava de incomodá-la, ela fugiu para o céu e se transformou na lua. Desde então, o rapaz não parou de persegui-la, na forma de sol. Às vezes, ele consegue se aproximar dela e abraçá-la. É nesse momento que acontece um eclipse da lua.

 

Como contam os Kanamari?

Os Kanamari falam uma língua da família Katukina e vivem em diferentes terras indígenas no estado do Amazonas. Eles contam que, muito tempo atrás, duas crianças nasceram em uma aldeia: um menino e uma menina. Elas foram criadas juntas. Quando cresceram, o irmão foi em uma noite à rede da sua irmã e namorou com ela. Como ele ia só à noite e não falava nada, sua irmã não sabia que o visitante era ele.

Crianças Kanamari. Foto: Luiz Costa, 2004
Crianças Kanamari. Foto: Luiz Costa, 2004

A moça queria descobrir quem era o rapaz e teve uma ótima ideia: colocou tinta de jenipapo em uma jarra e deixo-a debaixo de sua rede. À noite o rapaz foi lhe visitar novamente e antes que ele fosse embora ela marcou o rosto dele com a tinta. Ao amanhecer, ela viu que o rapaz com o rosto manchado de jenipapo era seu próprio irmão! Os dois ficaram com muita vergonha e se separaram. A partir daquele dia, o menino virou lua e a menina, sol, e nunca mais se encontraram.

 

 

Como contam os Taurepang?

Moças Taurepang. Foto: Eliane Motta, 1984.
Moças Taurepang. Foto: Eliane Motta, 1984.

Os Taurepang, que vivem na fronteira entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana, contam que antigamente, Wei e Kapei, o sol e a lua, eram muito amigos e nunca se separavam. Naquele tempo, Kapei (lua) tinha um rosto limpo e gracioso. Ele se apaixonou por uma das filhas do sol e começou a visitá-la todas as noites. Isso não agradou o sol, que mandou sua filha sujar o rosto do amante (lua) com sangue menstrual. Desde então, os dois astros se tornaram inimigos e a lua, que ficou com o rosto todo manchado, evita o sol.

Histórias sobre o roubo do fogo

Como contam os Ticuna?

Homem ticuna voltando da pesca. Belém do Solimões, Terra Indígena Évare I, Amazonas. Foto: Jussara Gruber, 1979.
Homem ticuna voltando da pesca. Belém do Solimões, Terra Indígena Évare I, Amazonas. Foto: Jussara Gruber, 1979.

Os Ticuna, que vivem no Amazonas (Brasil), no Peru e na Colômbia, contam que antigamente os homens não conheciam nem a mandioca-doce nem o fogo. Uma velha aprendeu com as formigas o segredo da mandioca e, seu amigo, um pássaro noturno, o curiango, lhe fornecia o fogo. O pássaro guardava o fogo no bico e o usava para cozinhar a mandioca, ao invés de aquecê-la no sol ou nas axilas.

Os homens achavam deliciosos os beijus que a velha fazia e queriam a receita. Ela dizia que os cozinhava simplesmente com o calor do sol. Mas o pássaro achou graça da mentira dela e não aguentou: deu uma gargalhada! Logo todos viram as chamas saindo de seu bico. Os homens decidiram abrir à força o bico do pássaro e assim roubaram-lhe o fogo. É por causa disso que hoje em dia os curiangos têm um bico grande.

Foi a partir desse dia que os homens puderam usar o fogo para cozinhar!

 

 

Como contam os Tembé?

Mulher Tembé da aldeia do Posto. Foto: Vincent Carelli, 1980
Mulher Tembé da aldeia do Posto. Foto: Vincent Carelli, 1980

Antigamente, o urubu-rei era dono do fogo e os homens tinham que secar sua carne ao sol. Um dia, eles decidiram roubar o fogo e mataram uma anta. Quando os restos da caça ficaram cheios de vermes, o urubu-rei desceu do céu com seus amigos. Todos tiraram suas roupas de pena e apareceram sob forma humana. Acenderam um grande fogo, enrolaram os vermes em folhas e os colocaram no fogo para assar. Os homens, que estavam escondidos perto da carniça, conseguiram, depois de uma tentativa fracassada, roubar o fogo dos urubus!

 

 

Como contam os Katukina?

Os Katukina falam uma língua da família Pano e vivem na região do alto Juruá, no Acre. Esse povo também tem várias histórias sobre a origem do fogo, uma delas é assim:

Meninos katukina. Terra Indígena do Rio Campinas (Acre). Foto: Edilene Coffaci de Lima, 1998.
Meninos katukina. Terra Indígena do Rio Campinas (Acre). Foto: Edilene Coffaci de Lima, 1998.

Um dia a onça foi caçar e pediu ao periquito e à coruja que ficassem de olho no fogo, porque este podia se apagar. A onça disse que se eles cuidassem do fogo direitinho ela lhes daria um pouco de caça. Dito e feito! O periquito e a coruja ficaram cuidando do fogo, mas, na volta, a onça comeu tudo sozinha. No dia seguinte, lá foi a onça caçar de novo. Fez o mesmo pedido ao periquito e à coruja. No fim da tarde, a onça voltou da caçada e o periquito logo perguntou se ela daria um pedaço de carne para ele assar. Ela disse que sim, mas no fim das contas acabou comendo toda a carne.

Isso se repetiu durante vários dias até que um dia a coruja e o periquito decidiram roubar o fogo da onça. A coruja teve a ideia de esconder o fogo no buraco de uma árvore e foi isso que o periquito fez antes que a onça retornasse da caçada. A onça, quando viu que estava sem fogo, ficou desesperada. Ela tentou fazer fogo de novo, mas não conseguiu. Aí percebeu que daquele momento em diante teria que comer carne crua... O periquito cuidou muito bem do fogo, que estava guardado numa árvore bem alta. Ele tinha um bico grande, mas o fogo o queimou quase todo e é por isso que hoje o bico do periquito é bem pequeno.

Foi o periquito que deu o fogo aos humanos, que antes só comiam carne crua!

 

Existem de fato muitas semelhanças entre os mitos dos ameríndios, mas quando os olhamos bem de perto, também vemos diferenças.

Conheça a animação Ilya e o Fogo que conta a história de Ilya, um jovem guerreiro filho de Cy, a Terra, que desafiou sua mãe roubando-lhe o fogo. O autor se inspirou em um mito indígena sobre o roubo do fogo e criou este lindo vídeo!

Assista ao vídeo

Origem das plantas cultivadas

Escolhemos dois mitos sobre o tema. A primeira versão é bastante conhecida entre os índios Iranxe Manoki e Menky Manoki, a segunda é comum entre os Enawenê-Nawê.

Mas apesar de falarem sobre a origem das plantas cultivadas, existem diferenças entre as duas histórias.

Descubra quais são!

Como contam os Iranxe Manoki e Menky Manoki?

Os Iranxe Manoki e Menky Manoki, que vivem no Mato Grosso, contam que, antigamente, um menino estava muito triste, pois sentia que seu pai não gostava dele. Um dia a mãe do menino chamou-o para fazer uma coleta no mato. Na volta, o menino decidiu não voltar mais para aldeia e pediu a sua mãe que o enterrasse ali mesmo, no mato. Disse que não morreria e que sua cabeça deveria ficar para fora da terra. A mãe, muito triste, atendeu ao desejo do filho e foi embora, sem olhar para trás, como ele havia pedido.

Mulher irantxe fazendo farinha de mandioca. Foto: Ana Cecilia Venci Bueno
Mulher irantxe fazendo farinha de mandioca. Foto: Ana Cecilia Venci Bueno

Quando ela chegou em casa, contou tudo ao marido e, algum tempo depois, eles foram até o lugar onde o menino estava enterrado. Ao se aproximarem, escutaram um canto muito bonito e viram uma grande roça, cheia de alimentos!

A cabeça do menino virou cabaça, as pernas e os braços se transformaram em mandioca, os dentes deram origem ao milho, as unhas viraram amendoim... Foi assim que surgiram as diferentes plantas cultivadas hoje pelos  Iranxe Manoki e Menky Manoki !

 

Como contam os Enawenê-Nawê?

Os Enawenê-Nawê, que também vivem no Mato Grosso, contam uma história parecida com a dos  Iranxe Manoki e Menky Manoki . Mas, ao invés de um menino, foi uma menina quem deu origem às plantas cultivadas.

Mulher enawenê-nawê prepara a mandioca para ser ralada. Foto: Kristian Bengtson, 2003.
Mulher enawenê-nawê prepara a mandioca para ser ralada. Foto: Kristian Bengtson, 2003.

Certo dia uma jovem menina pediu a sua mãe que a enterrasse. Apesar da tristeza, a mãe atendeu ao pedido da filha e a enterrou até a cintura numa terra fofa e fria. Após seu enterro, a menina pediu a sua mãe que não olhasse para trás. Pediu também que voltasse para visitá-la depois das primeiras chuvas. Recomendou, por fim, que não esquecesse de lhe trazer peixe e que mantivesse o terreno a sua volta sempre limpo e bem cuidado.

A mãe fez tudo o que a filha pediu e, ao voltar ao local, encontrou uma roça de mandioca bonita e bem formada. De cada parte o corpo da menina brotou uma nova planta, dando origem às variedades de mandioca hoje cultivadas pelo Enawenê-Nawê. A mãe visitava freqüentemente a roça, limpava em volta das plantas e retirava com cuidado suas raízes levando-as para a aldeia, onde todos se alimentavam.

Acompanhando todos estes acontecimentos, outras mães também resolveram enterrar suas filhas, e foi assim que surgiram outras plantas como a batata doce, o cará, o inhame...

 

Quem conta os mitos?

Em cada grupo indígena, há pessoas que se destacam na arte de contar mitos. São geralmente pessoas mais velhas, que possuem um grande conhecimento das tradições culturais de seu povo. É bastante comum que xamãs, pajés ou mestres cantores sejam esses sábios narradores. Suas histórias são apreciadas por toda a comunidade.

Em quais momentos se contam os mitos?

Índios Guarani-Kaiowá no caminho da roça. Foto: Marcello Casal Jr/ABr.
Índios Guarani-Kaiowá no caminho da roça. Foto: Marcello Casal Jr/ABr.

Os mitos podem ser contados em momentos em que a aldeia está mais tranquila, geralmente à tarde ou nas primeiras horas da noite, quando todos já terminaram suas tarefas e estão reunidos em casa. As histórias também podem ser contadas durante alguma atividade cotidiana, em uma caminhada na mata, em uma pescaria, durante os trabalhos na roça...

Existem mitos cantados?

Sim, há situações em que os mitos são narrados na forma de cantos.

Entre os Marubo, que vivem no Estado do Amazonas, os mitos são cantados pelos kechitxo, cantadores que para se formarem passam por um longo processo de aprendizagem. É nesse processo que os kechitxo mais velhos ensinam a um parente jovem os seus cantos-mito.

Foto: Delvair Montagner, 1975
Foto: Delvair Montagner, 1975

Os Marubo cantam seus mitos para curar doenças e, para cada doença, existe um canto diferente. Os cantos podem ser curtos, durando apenas 20 minutos, ou muito longos, cantados ao longo de até três dias. Um tema comum nos cantos longos é aquele que fala sobre o surgimento das pessoas, dos animais, dos espíritos, enfim de como surgiu todo o universo.

Os mitos podem ser cantados para poucas pessoas durante a noite, após a refeição, ou em festas onde se reúnem parentes de diversas malocas. Nessas ocasiões, o kechitxo canta acompanhado pelos jovens.

As crianças indígenas compreendem totalmente os mitos de seu povo?

Na maioria das vezes, as histórias são muito complexas, isto é, de difícil compreensão para as crianças que ainda não dominam muitos conhecimentos. Os mais velhos, quando vão contar os mitos para as crianças, tornam a história mais acessível, com menos detalhes complicados. Assim elas entram em contato com assuntos importantes e, aos poucos, vão descobrindo e conhecendo a riqueza de sua cultura.

Os mitos indígenas falam sobre o quê?

Os mitos falam sobre muitas coisas. Contam as aventuras de heróis e seres que viveram no “começo dos tempos”, quando o mundo e os diferentes seres não haviam sido criados. Nesse tempo, por exemplo, os humanos e os animais podiam conversar entre si, pois um entendia o que o outro falava.

As narrativas também contam como os homens, os animais, as plantas e outros seres foram se tornando diferentes entre si. Falam sobre conquistas, descobertas, dilúvios, catástrofes, transformações...

Contam como os seres que viveram no começo dos tempos transformaram ou criaram o mundo do jeito como ele é hoje. Estes seres ensinaram aos humanos o jeito certo de viver em sociedade, de fazer as festas e os rituais, de fazer roça, de caçar, de pescar, de fazer rede, cestos, dentre tantas outras coisas importantes para a vida.

Conheça alguns mitos sobre a origem da humanidade

Veja como o povo Desana, que vive no estado do Amazonas, no Brasil, e na Colômbia conta a história da origem da humanidade.

Como contam os Desana?

Para o Desana, a humanidade inteira tem a mesma origem. Contam que no princípio, quando o mundo não existia, uma mulher conhecida como Yebá Buró, ou a Avó do Mundo, gerou cinco homens Trovões. Eles é que deveriam criar a futura humanidade, mas não conseguiram. Então ela criou o Bisneto do Mundo, Yebá Gõãmu, e depois seu irmão, Umukomahsu Boreka.

Cobra Grande pintada sobre maloca no Alto Rio Negro. Foto: Beto Ricardo/ISA.
Cobra Grande pintada sobre maloca no Alto Rio Negro. Foto: Beto Ricardo/ISA.

Os dois irmãos e o Terceiro Trovão saíram para criar a futura humanidade e para isso levaram todas as riquezas que possuíam. O Terceiro Trovão se transformou em uma cobra grande e desceu até o fundo do Lago de Leite. Essa cobra, também chamada de Canoa de Transformação, tinha os dois irmãos como comandantes e se deslocava como um submarino.

Eles criaram casas em baixo d’água e em cada lugar que paravam faziam rituais com as riquezas que haviam levado. Estas riquezas se transformaram em gente. Depois disso, os irmãos criaram as línguas dos diferentes grupos que ainda hoje vivem na região do alto rio Negro.

Na volta, a Canoa de Transformação levou os humanos até uma cachoeira. Foi lá que eles pisaram na terra pela primeira vez.Yebá Gõãmu, o Bisneto do Mundo, não foi à terra, mas deu origem ao chefe dos Tukano, que foi o primeiro a descer da cobra-canoa. Depois foi Boreka, o chefe dos Desana, que desceu. O terceiro foi o chefe dos Pira-Tapuya, o quarto o dos Siriano, o quinto foi o chefe dos Baniwa e o sexto a sair foi o chefe dos Maku. O Bisneto do Mundo deu a todos eles alguns objetos e o poder de serem tranquilos, de fazerem grandes festas e de conviverem bem com muita gente.

O sétimo a sair foi o homem branco que tinha uma espingarda na mão. Yebá Gõãmu não lhe deu bens, mas disse que seria uma pessoa sem medo, que faria guerra para roubar a riqueza dos outros. O branco depois de dar um tiro com sua espingarda seguiu em direção ao sul para fazer guerra.

Fontes de informação

  • Aracy Lopes da Silva

Mitos e cosmologias indígenas no Brasil: breve introdução, no livro Índios no Brasil (1992).

Mito, razão, história e sociedade, no livro A Temática Indígena na Escola (1995).

  • Claude Lévi-Strauss

Mitológicas. Volumes O cru e o cozido, Do mel às cinzas e A origem dos modos à mesa. São Paulo, Cosac Naify (2004, 2005 e 2006).

  • Jean-Pierre Vernant

O universo, os deuses, os homens (2000).

  • Povo Kanamari e COMIN

Tâkuna Nawa Buh Amteiyam Amkira – Mitos kanamari (2007).

  • Povo Katukina e Comissão Pró-Índio do Acre

Noke shoviti – Mitos Katukina.

  • Tõrãmu Kehíri e Umusi Pãrõkumu

Antes o mundo não existia - Mitologia dos antigos Desana-Kehíripõrã (1995).

  • Ana Cecilia Venci Bueno

Os Irantxe e Myky do Mato Grosso: um estudo do parentesco (2000).

  • Dominique Gallois

Pesquisa etnológica entre os Tupi do Cuminapanema (1992).

  • Gilton Mendes dos Santos

Da cultura à natureza: um estudo do cosmos e da ecologia dos Enawene-Nawe (2006).

  • Pedro de Niemeyer Cesarino

De 'cantos-sujeito' a 'patrimônio imaterial': considerações sobre a tradição oral Marubo (2006).